
Caminho sam saber por onde, sem saber se sou eu mesmo a caminhar, por solos esquecidos por alguem que ali mesmo ja caminhou, sem nunca ter pensado que um dia eu mesmo, iria lá caminhar. Vou, entao sorrindo por esse passeio, olhando para ele tão fixamente que chego mesmo a esquecer para onde vou, sabendo que ia...
Estranhamente sou abordado por alguem, levanto os olhos e vejo-a ali, tão miserável como eu, rebosco aquela imagem todas as vezes que ali passo. Era uma criança, que vageava como eu, por situações diferentes, por realidades diferentes. Ainda posso ouvir as palavras vindas da sua boca suja, toda ela era suja, um misto de humildade e arrogancia espelhados num ser tão pequeno. Assusto-me, pois ia distraido na melancolia da minha vida, sem nunca pensar que ali alguem me iria abordar tão repentinamente. Era o cair da noite, depois de uma de chova, não me recordo ao certo, mas quase posso afirmar que a lua ja tinha acordado para mais uma noite.
O que fazia então uma criança aquela hora sozinha, na rua, num passeio que rodeava a igreja. Havia arvores e bancos de jardim, Lembro-me da luz do candeeiro , que iluminava uma das portas laterais da igreja, deduzi pelo cenário funebre, que ali mesmo havia um termino para alguem que ja não nos pertence. Ouvi choros e gritos de desespero, de saudade, por alguem que partira com a certeza que já não voltava. Mas e aquela criança que fazia ali?
Como é de calcular, agora que este cenario me foge do olhar, consigo pensar mais calmamente naquela excerto da minha vida que demorou segundos, mas que tanto me tem dado que pensar. Era um misto da minha vida, com a vida daquela criança, e as vidas daqueles que estavam a dizer um ultimo adeus a alguem.
O meu olhar cruzou-se por instantes com aquela criança. Não sei ao certo decifrar os sons que sairam de sua boca, pois a unica coisa que me recordo foi os "nãos" constantes que dizia, em tom de desprezo, para com aquele ser que não devia ter mais de dez anos. Anos esses gastos, por alguem que não soube o que fez ao por no mundo um ser tão precioso, tão puro. Neste relampago de olhares notei que ela chorava, mas mesmo assim não detive a mensagem gestual que me lançara. A minha unica preocupação era continuar a olhar para aquele chão, que tanta gente já pisou, e levar comigo todo aquilo que estava a sentir. Continuei sem pestanejar, até que, não parando o meu percurso olhei para atras, mas já não a vi.
Depois as palavras daquela criança, comecaram lentamente a fazer sentido na minha mente, que igoista não esitou em despresa-la.
Estava perdida, aflita, unicamente desejava, depois de um dia exaustivo, encontrar seus pais, de quem se perdera. Mas como eu podia advinhar? Aquela criança parecia-me uma pedinte, uma daquelas que andam a pedir dinheiro para dar aos pais, e que chegam mesmo a roubar.
Preconceito puro, naquelo momento senti-me mal, pois não tive a capacidade de ajudar uma menina perdida, pois pensei que pertencia a uma etnia qualquer, andando na rua, numa tentativa de enganar alguem.
Pergunto-me o que terá sido feito daquela alma que tão friamente rotulei, e despresei...
Os meus valores tinham ficado onde naquele momento...? Valores esses impostos por uma sociedade que julga sei ouvir, e que pensando só nela, comete erros como eu cometi...
Continuei a olhar para o chão, mas desta vez de vergonha, porque depois de me ter apercebido do que tinha feito, não tive coragem de voltar para trás. Então deixem me levar outra vez pelos meus pensamentos, onde coloquei aquela menina, como uma lição de vida para mim mesmo.
Queria que o tempo voltasse para trás, para pelo menos ter ouvido o apelo daquela criança, que com um olhar triste e medroso, sofreu tão jovem o peso do preconceito.

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